A noite de sexta-feira é o momento onde o
sentido horário regressa, a alma mostra outras faces e o luar se torna
indecifrável.
Luciana sabia disso, seus sapatos também.
Com óculos de armação grossa preta, não sabia a
noite quem era ela.
Meiga com rosto de criança, discreta e
misteriosa. Sua bolsa parecia uma caixa de pandora que carregava os mistérios
da sua alma.
Seus sapatos a conheciam mais do que qualquer
pessoa.
Em plena noite de sexta-feira a estrada a esperava, as veredas antigas a
despertavam para o momento onde o presente e suas intuições se fundiam.
Pés de menina, sapatos de mulher. Nunca houve
compasso em seus passos, mas qual a necessidade disso? Nem sempre trilhos retos
e planejados levam a um final feliz.
A verdade é que hoje ela irá andar. Simplesmente
andar. Já avisou em casa que chegará mais tarde. Será a noite em que ela vai permitir ser mulher.
Em si, ela tem um pouco de
receio. Mas os seus sapatos já estão preparados.
Pela primeira vez ela usa
um decote, seu colar para censurar, mas ao mesmo tempo hipnotizar. Sua cintura,
ao andar, é um pêndulo que direciona qualquer libido.
A noite passa e poucos homens a perceberam. Esta
é uma deficiência do sexo masculino, não ficar atento às ricas fábulas que
rodeiam a alma feminina com a lua.
Eu também não reparei. Não
reparei nos sapatos da Luciana.
Só foi possível
percebê-los quando fiquei descalço.
Pedro Henrique Curvelo
Julho de 2012
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