Silas foi atingido por aquilo que sempre foi sua arma: a voz. Quando um
áudio vaza antes do fim de um inquérito, o estrago não é apenas jurídico — é
narrativo. No Brasil, não é novidade: já vimos essa tática (ou desastre) na
Lava Jato com Lula. Agora, o efeito rebote alcança Malafaia.
O áudio e o fim de duas romantizações
1) “Ele sempre foi assim.”
Para quem conhece Silas, não há surpresa no tom, nas explosões, no
vocabulário bélico. O vazamento não revela um “novo Malafaia” — ele apenas
escancara, para um público mais amplo, o mesmo repertório de décadas. O
resultado prático é matar a narrativa do “perseguido religioso” puro e pleno.
Soa contraditório reivindicar martírio quando o próprio material reforça o
temperamento combativo que ele cultiva.
2) A fenda na dinastia Bolsonaro.
O trecho que envolve Eduardo Bolsonaro é dinamite. A percepção — já viva nas
entrelinhas — de que Eduardo ainda opera como “menino” ganha corpo quando
aparecem ofensas que atingem até o pai. A frase explícita — “VTNC SEU INGRATO
DO CARALHO” — fulmina a aura do exílio heroico e expõe fragilidade de comando
familiar. Um filho assim, em público, não protege o patriarca; complica-o.
Por que isso importa?
Silas não é um ator periférico. É um comunicador profissional com milhões de
seguidores, capaz de transformar indignação em combustível político. Mexer com
Malafaia é sempre acender um pavio de pólvora: ele conhece o terreno, domina o
tempo da fala e sabe ativar senso de pertencimento, injustiça e urgência. Se
quiser, constrói em horas uma narrativa de perseguição suficientemente
mobilizadora para encher ruas e caixas de comentários.
Mas o vazamento tem um efeito colateral: desalinha as versões. Quando a voz pública do movimento soa fora de controle, a base sente cheiro de desorganização. E onde falta harmonia, sobra espaço para dissidências — inclusive dentro do clã. Aqui vou repetir o que falei: Os governadores Zema (Minas), Tarcísio (São Paulo), Ratinho Junior (Paraná) e Caiado (Goiás).
As três frentes de impacto imediato
Base evangélica:
Firme na defesa moral, mas avessa a desordem que fragiliza o “testemunho”. O
tom do áudio pode motivar alguns, mas cansa outros. Lideranças regionais, mais
pragmáticas, tendem a pedir “sabedoria” e baixar o volume.
Bolsonarismo orgânico:
A ala digital adora a faísca, mas estrategistas percebem o risco: explosões
verbais facilitam contra-ataques jurídicos e midiáticos. O vazamento vira
munição para adversários e gera fadiga no eleitor médio.
Institucional/Jurídico:
Toda vez que a retórica se mistura com pressão pública sobre inquéritos,
cresce a chance de endurecimento institucional. Em português claro: o sistema
reage quando se sente afrontado.
O que será agora?
Há dois caminhos táticos disponíveis — e um custo para cada um:
- Dobrar a aposta
Intensificar o discurso, pintar o cenário de
guerra religiosa, convocar a base e pressionar. Ganho: curto prazo, calor nas
redes, alinhamento emocional. Custo: erosão de credibilidade no eleitor além do
núcleo e mais atrito judicial.
- Baixar a guarda (o
caminho mais difícil)
Reconhecer excesso de forma, recentrar a mensagem
no mérito das acusações, disciplinar porta-vozes e reduzir o ruído. Ganho:
preserva fôlego para a próxima batalha — e sempre há uma próxima. Custo:
frustra a tropa que vive de combate diário.
Dentro do jogo político, a praticidade recomenda esfriar a chapa. De um
lado, as acusações seguem seu curso. Do outro, quem quiser sobreviver
estrategicamente precisa trocar volume por precisão: menos adjetivos, mais
fatos; menos live inflamável, mais roteiro; menos desabafo, mais direção.
Em busca do controle narrativo perdido
Narrativas fortes têm coerência, cadência e canal. O vazamento sabotou as
três:
- Coerência: quando a
fala pública desmente o personagem do “perseguido justo”, perde-se o
enquadramento.
- Cadência: a pauta
foi sequestrada pelo improviso. Quem pauta pelo improviso vive na
defensiva.
- Canal: o áudio
viraliza sem mediação; você fala, mas não edita. A mensagem chega crua — e
cru nem sempre alimenta.
O conserto começa com disciplina. Não se combate gravação vazada com mais
gravações explosivas. Combate-se com silêncio cirúrgico, mensagens testadas e
porta-vozes treinados. Isso evita que o pavio siga queimando até o barril.
Conclusão
Silas Malafaia sempre jogou no limite — e muitas vezes venceu por causa
disso. Desta vez, a arma ricocheteou. O áudio não destrói sua influência, mas
recalibra seu custo: cada decibel de indignação agora cobra mais caro em
credibilidade. Se a meta é atravessar a tempestade, a tática é simples (e
impopular na militância): acalmar os ânimos, baixar a guarda e recuperar o
controle da narrativa. Porque pólvora costuma obedecer à física, não à fé. E
pavios, quando acesos, não perdoam.
Pense nisso!
Pedro Henrique Curvelo
Agosto de 2025
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