quinta-feira, 21 de agosto de 2025

Um pavio de pólvora chamado Silas Malafaia

 


Silas foi atingido por aquilo que sempre foi sua arma: a voz. Quando um áudio vaza antes do fim de um inquérito, o estrago não é apenas jurídico — é narrativo. No Brasil, não é novidade: já vimos essa tática (ou desastre) na Lava Jato com Lula. Agora, o efeito rebote alcança Malafaia.

 

O áudio e o fim de duas romantizações

 

1) “Ele sempre foi assim.”

Para quem conhece Silas, não há surpresa no tom, nas explosões, no vocabulário bélico. O vazamento não revela um “novo Malafaia” — ele apenas escancara, para um público mais amplo, o mesmo repertório de décadas. O resultado prático é matar a narrativa do “perseguido religioso” puro e pleno. Soa contraditório reivindicar martírio quando o próprio material reforça o temperamento combativo que ele cultiva.

 

2) A fenda na dinastia Bolsonaro.

O trecho que envolve Eduardo Bolsonaro é dinamite. A percepção — já viva nas entrelinhas — de que Eduardo ainda opera como “menino” ganha corpo quando aparecem ofensas que atingem até o pai. A frase explícita — “VTNC SEU INGRATO DO CARALHO” — fulmina a aura do exílio heroico e expõe fragilidade de comando familiar. Um filho assim, em público, não protege o patriarca; complica-o.

 Quem irá se aproveitar disso não será apenas a oposição lulista, mas até os generais do bolsonarismo. Os governadores Zema (Minas), Tarcísio (São Paulo), Ratinho Junior (Paraná) e Caiado (Goiás). 

Por que isso importa?

Silas não é um ator periférico. É um comunicador profissional com milhões de seguidores, capaz de transformar indignação em combustível político. Mexer com Malafaia é sempre acender um pavio de pólvora: ele conhece o terreno, domina o tempo da fala e sabe ativar senso de pertencimento, injustiça e urgência. Se quiser, constrói em horas uma narrativa de perseguição suficientemente mobilizadora para encher ruas e caixas de comentários.

 

Mas o vazamento tem um efeito colateral: desalinha as versões. Quando a voz pública do movimento soa fora de controle, a base sente cheiro de desorganização. E onde falta harmonia, sobra espaço para dissidências — inclusive dentro do clã. Aqui vou repetir o que falei: Os governadores Zema (Minas), Tarcísio (São Paulo), Ratinho Junior (Paraná) e Caiado (Goiás).

 

As três frentes de impacto imediato

 

Base evangélica:

Firme na defesa moral, mas avessa a desordem que fragiliza o “testemunho”. O tom do áudio pode motivar alguns, mas cansa outros. Lideranças regionais, mais pragmáticas, tendem a pedir “sabedoria” e baixar o volume.

 

Bolsonarismo orgânico:

A ala digital adora a faísca, mas estrategistas percebem o risco: explosões verbais facilitam contra-ataques jurídicos e midiáticos. O vazamento vira munição para adversários e gera fadiga no eleitor médio.

 

Institucional/Jurídico:

Toda vez que a retórica se mistura com pressão pública sobre inquéritos, cresce a chance de endurecimento institucional. Em português claro: o sistema reage quando se sente afrontado.

 

O que será agora?

 

Há dois caminhos táticos disponíveis — e um custo para cada um:

  1. Dobrar a aposta

Intensificar o discurso, pintar o cenário de guerra religiosa, convocar a base e pressionar. Ganho: curto prazo, calor nas redes, alinhamento emocional. Custo: erosão de credibilidade no eleitor além do núcleo e mais atrito judicial.

  1. Baixar a guarda (o caminho mais difícil)

Reconhecer excesso de forma, recentrar a mensagem no mérito das acusações, disciplinar porta-vozes e reduzir o ruído. Ganho: preserva fôlego para a próxima batalha — e sempre há uma próxima. Custo: frustra a tropa que vive de combate diário.

 

Dentro do jogo político, a praticidade recomenda esfriar a chapa. De um lado, as acusações seguem seu curso. Do outro, quem quiser sobreviver estrategicamente precisa trocar volume por precisão: menos adjetivos, mais fatos; menos live inflamável, mais roteiro; menos desabafo, mais direção.

 

Em busca do controle narrativo perdido

 

Narrativas fortes têm coerência, cadência e canal. O vazamento sabotou as três:

  • Coerência: quando a fala pública desmente o personagem do “perseguido justo”, perde-se o enquadramento.
  • Cadência: a pauta foi sequestrada pelo improviso. Quem pauta pelo improviso vive na defensiva.
  • Canal: o áudio viraliza sem mediação; você fala, mas não edita. A mensagem chega crua — e cru nem sempre alimenta.

 

O conserto começa com disciplina. Não se combate gravação vazada com mais gravações explosivas. Combate-se com silêncio cirúrgico, mensagens testadas e porta-vozes treinados. Isso evita que o pavio siga queimando até o barril.

 

Conclusão

 

Silas Malafaia sempre jogou no limite — e muitas vezes venceu por causa disso. Desta vez, a arma ricocheteou. O áudio não destrói sua influência, mas recalibra seu custo: cada decibel de indignação agora cobra mais caro em credibilidade. Se a meta é atravessar a tempestade, a tática é simples (e impopular na militância): acalmar os ânimos, baixar a guarda e recuperar o controle da narrativa. Porque pólvora costuma obedecer à física, não à fé. E pavios, quando acesos, não perdoam.


Pense nisso!

Pedro Henrique Curvelo

Agosto de 2025

quarta-feira, 2 de julho de 2025

O Rito da Empatia diante da Brevidade da Vida




O Rito da Empatia Diante da Brevidade da Vida

por Pedro Curvelo

Vivemos como se a vida nos devesse alguma coisa. Como se o tempo, esse deus mudo e indiferente, pudesse ser domesticado pela força da nossa produtividade. Acordamos com metas, dormimos com frustrações. Entre o cuidado com o corpo, o trabalho, os compromissos sociais e o lazer agendado, vamos empilhando dias como quem arquiva papéis — automaticamente, sem memória afetiva, sem presença real.

E nesse frenesi, esquecemos do óbvio: somos uma caveira.

Sim, sob as camadas de pele, vaidade e performance, somos todos uma caveira à espera do pó. Não há nada de mórbido nisso — há algo de profundamente verdadeiro e libertador. Lembrar que somos finitos deveria ser o primeiro passo para sairmos do piloto automático e entrarmos no rito da empatia.

Mas não.

Tratamos os outros como funções, como ruídos na nossa jornada de eficiência. Classificamos os “lentos”, os “confusos”, os “burrinhos” do caminho — pais idosos, colegas de trabalho, atendentes de loja, amigos em crise — como obstáculos. Protocolamos interações como se fôssemos chatbots da vida: rápidos, objetivos, sem alma. E nesse processo, vamos nos desumanizando.

A empatia, então, se torna um rito.
Um rito de resistência contra a pressa que nos torna surdos.
Um rito de pausa para contemplar o outro não como um item na agenda, mas como alguém que respira, sente, carrega cicatrizes e tenta — à sua maneira — seguir vivo.

Porque enquanto corremos atrás de mais um deadline, a ampulheta vai escorrendo. Um piscar de olhos e já é outro ano. Um suspiro e a pessoa com quem brigamos ontem já não está mais aqui. O tempo não avisa quando vai parar. Ele simplesmente vai.

Por isso, a necessidade da empatia. Do comungar com a vivência do outro. Entender suas limitações, defeitos e reconhecer suas qualidades. Exaltar os seus dons. Focar não apenas no autocuidado. Mas, também no coletivo. No nosso legado e em como conduzir com nitidez a particularidade do que somos.

Pense nisso!

sexta-feira, 6 de junho de 2025

Bobo da Corte Triboulet, Léo Lins e a MAIOR PIADA DO BRASIL


 


 Na Idade Média, os bobos da corte eram personagens curiosos. Vestiam-se de forma ridícula, usavam sinos no chapéu e andavam entre reis e nobres dizendo o que ninguém mais podia dizer. Com uma piada, zombavam do monarca, da rainha, da guerra e da fome — e saíam vivos. Mais que entretenimento, eram uma espécie de válvula de escape simbólica do poder.

 

Mas por que os reis permitiam isso?

 

Porque sabiam que o riso tem um efeito pacificador. Enquanto o povo estivesse rindo, não estaria se rebelando. A piada desarma. Humaniza. E no fim das contas, o bobo, mesmo zombando do rei, era sustentado por ele. A ousadia era parte do espetáculo, mas com limites sutis e bem definidos — muitas vezes invisíveis, mas sempre presentes. A piada era uma uma espécie de licença poética. Diferente se fosse algo organizado e formal.

 

Um exemplo emblemático é o do rei Francisco I da França, no século XVI, que mantinha em sua corte o célebre bobo Triboulet. Triboulet fazia piadas que beiravam o insulto, inclusive com a própria majestade. Conta-se que certa vez ofendeu gravemente um nobre poderoso, e o rei, irritado, prometeu que ele seria executado. Mas, como forma de clemência, permitiu que o bobo escolhesse a maneira como queria morrer. Triboulet respondeu:

“Morrerei de velhice, Majestade.”

Francisco riu tanto que o perdoou.

 

Rir do poder era permitido, desde que o poder ainda estivesse no controle do riso.

 

Corta para 2025.

 

O humor no banco dos réus

 

O comediante Léo Lins foi recentemente condenado pela Justiça Federal por uma piada considerada capacitista. A juíza Gabriela Serra Siqueira argumentou que a fala dele “não estava protegida pela liberdade de expressão”, pois teria ultrapassado o campo do humor e se tornado ofensa real. Com base na legislação que pune discursos discriminatórios, a decisão causou polêmica, elogios e indignações em diferentes campos da sociedade. 

 

Mas a condenação levantou uma questão mais ampla: piadas têm licença poética?

Ou, em outras palavras: o que separa o humor do crime? E quem está autorizado a fazer essa separação?

 

Historicamente, o humor sempre caminhou na linha tênue entre o aceitável e o ofensivo. É por natureza transgressor. O riso nasce do inesperado, do absurdo, do exagero — e, muitas vezes, do desconforto. Não existe humor sem risco. E por isso, quando a justiça entra no palco para decidir o que é ou não engraçado, algo se perde. Talvez não o direito do ofendido — que deve ser respeitado —, mas a liberdade de incomodar.

 

Se os reis medievais toleravam (e alguns patrocinavam) piadas sobre si mesmos, mesmo em regimes autoritários, por que democracias modernas parecem mais sensíveis a certos temas? Por que o comediante de hoje é punido por chocar, enquanto o bobo da corte era celebrado por fazer o mesmo?

 

A piada que ninguém quer ouvir

 

Entre tantas polêmicas sobre os limites do riso, há um tema que raramente vira piada: o roubo do INSS, por exemplo. A tragédia silenciosa de milhões de brasileiros que pagam tributos por décadas e se aposentam com valores miseráveis, enquanto verbas públicas somem em esquemas escusos que raramente resultam em prisão ou devolução de dinheiro.

 

Será que a maior piada de mau gosto não é essa?

Será que rir de uma deficiência é mais grave do que silenciar diante da humilhação institucional que é envelhecer no Brasil?

 

Léo Lins foi condenado por dizer o que muitos consideraram inaceitável. Mas quem será responsabilizado pelas “piadas” que o Estado faz com a dignidade do povo? E aqui não vou entrar na narrativa se o problema é do Governo Lula ou Bolsonaro. A difamação do roubo a aposentados e pensionistas está acima desses governos.

 

A fronteira entre o humor e o crime é real — mas ela também é política. E talvez, no fim das contas, o que determine se uma piada será tolerada ou condenada não seja o seu conteúdo, mas o seu alvo.

 

Como na corte de Francisco I, o bobo ainda pode rir — desde que saiba até onde pode ir.

E desde que o rei continue achando graça.

Pense nisso!

Pedro Henrique Curvelo

Junho de 2025

segunda-feira, 21 de abril de 2025

Papa Francisco: In Paradisum, uma despedida de fé e humanidade

 




A morte de Papa Francisco marca não apenas o fim de um pontificado, mas o encerramento de uma era que tocou os corações além das fronteiras do Vaticano. Jorge Mario Bergoglio, o primeiro papa latino-americano, argentino de alma simples e profunda humanidade, despediu-se do mundo exatamente como viveu: com ternura, coragem e serenidade.


Francisco nunca se limitou aos muros de Roma. Seu papado foi itinerante e presente — visitando favelas, campos de refugiados, prisões e zonas de guerra. Aqui no Rio de Janeiro, por exemplo, pegou engarrafamento no Centro da Cidade (rs).  Mais do que um chefe de Estado, ele foi um pastor que buscou as ovelhas, principalmente as mais esquecidas. Foi no diálogo aberto com diferentes religiões, na acolhida dos imigrantes e no apelo constante à paz que ele se tornou uma referência moral em tempos tão divididos.


Sua simplicidade sempre foi sua marca. Desde o dia de sua eleição, recusando as vestes luxuosas e optando por morar na Casa Santa Marta ao invés do Palácio Apostólico, Francisco se apresentou ao mundo como alguém que queria servir, e não ser servido. Ele trouxe a leveza da humildade e a força do exemplo para um papado que sabia ser observado em cada gesto. Fez piada, com forma carinhosa, dizendo que "brasileiro não tem salvação. Muita cachaça e pouca oração". 


Mas sobre seus ombros repousavam pesos enormes: a idade avançada, as doenças que progressivamente fragilizavam seu corpo, e também as críticas severas. Francisco foi acusado por alguns de heresia, de relativizar princípios inegociáveis da fé. Outros o atacaram por suas posturas sociais, associando sua defesa dos pobres e dos marginalizados a um alinhamento com ideologias de esquerda, especialmente o comunismo — acusações que ele, com paciência e doçura, enfrentava sem perder sua missão de construir pontes.


Sua história pessoal sempre foi marcada por desafios. Durante a ditadura militar na Argentina, Bergoglio lidou com tensões internas na Igreja e na sociedade, enfrentando dilemas morais e acusações das quais, mais tarde, foi absolvido. E em tempos mais recentes, na pandemia da COVID-19, Francisco ofereceu palavras de consolo ao mundo, rezou sozinho sob a chuva na Praça de São Pedro deserta e recordou a humanidade de todos nós, frágeis e interdependentes.


Agora, com sua partida, os olhares se voltam para o Conclave que escolherá seu sucessor. Será o próximo pontífice um “Francisco II”, alguém que continuará o caminho de diálogo, simplicidade e abertura? Ou a Igreja optará por um perfil mais conservador, buscando um reequilíbrio interno diante das resistências que Francisco enfrentou? As especulações já fervilham, e os cardeais carregarão a responsabilidade de decidir o rumo da Igreja em um mundo tão necessitado de esperança.


Independentemente do que venha, a trajetória de Papa Francisco permanecerá luminosa. Sua despedida, ocorrida após a celebração da Páscoa — símbolo maior da renovação da vida para os cristãos —, parece um sinal providencial. Francisco partiu na plenitude do seu serviço, deixando sementes plantadas em corações de todas as nações.


Ele nos ensinou que a fé não é um fardo, mas um encontro; que a Igreja não é uma fortaleza, mas um hospital de campanha; que a autoridade não se impõe, mas se oferece em serviço. Francisco nos deixa, mas seu legado permanecerá como um farol para os dias escuros e como um sopro de misericórdia para os tempos que virão.


Luz para a alma de Francisco

Pedro Henrique Curvelo

21/04/2025

sábado, 5 de abril de 2025

Jogo da Anistia




Anistia, Justiça e a Medida do Absurdo

O Brasil vive, mais uma vez, um daqueles momentos em que a história se repete — primeiro como tragédia, depois como incoerência. Os atos de 8 de janeiro de 2023, com a invasão e depredação dos prédios dos Três Poderes em Brasília, foram uma tentativa desastrada e violenta de ruptura institucional. Um episódio vergonhoso. Mas também um espelho incômodo: o país que ali se revelou não foi só o da extrema-direita em fúria, mas também o da Justiça seletiva, da espetacularização do castigo, e do silêncio sobre os verdadeiros articuladores.

O peso da pena: entre a dose e a impunidade

Desde então, o debate sobre a punição dos envolvidos ganhou força — e com ele, a velha discussão sobre anistia. Mas não é só sobre anistiar ou punir. A questão central é a dose da pena. Porque no Brasil, a dose nunca é neutra: ela costuma ser mais amarga para o pobre, o desinformado, o fanático de base — e mais suave, quase doce, para o poderoso que pensa, planeja, lucra e manipula.

A mulher que passou batom na estátua da Justiça, por exemplo, recebeu mais de 14 anos de prisão. Catorze anos. Por vandalismo simbólico. Enquanto isso, o STF flexibiliza as regras para traficantes condenados em segunda instância, permitindo progressão de pena ou revisão de condenações com base na quantidade da droga — decisões que, embora debatíveis, revelam uma Justiça mais flexível com crimes potencialmente mais letais para a sociedade.

E quanto a nomes como Eduardo Cunha e Sérgio Cabral, ambos condenados por corrupção, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha? Estão soltos. Já sorriem em entrevistas. Já ensaiam articulações. Foram responsáveis pelo desvio de bilhões, desmontaram políticas públicas inteiras, e ainda assim, circulam livres. Isso não é anistia informal? Não é impunidade com toga e protocolo?

A pergunta se impõe: por que a mão do Estado é tão pesada para quem pinta uma estátua, mas tão leve com quem saqueia o país?

Lula, FHC e o peso das narrativas

Nos anos 90, o então deputado federal Luiz Inácio Lula da Silva foi um defensor ativo da anistia a militantes do MST, grevistas e trabalhadores perseguidos por ocupações e protestos. Naquele contexto, Lula denunciava a “criminalização da luta social” e defendia que o Estado não podia tratar como criminosos aqueles que lutavam por terra, moradia e dignidade.

Agora, presidente da República, Lula assiste a um movimento — muito diferente em natureza, mas semelhante em clamor — pedindo anistia para os envolvidos nos atos golpistas do 8 de janeiro. É claro que as motivações não são comparáveis: um lado reivindicava justiça social; o outro rejeitava a democracia em nome de um messianismo autoritário. Ainda assim, a incoerência mora na política: por que a anistia vale para os “nossos”, mas não para os “deles”?

A justiça não pode ser guiada por afinidade ideológica. Se ela vale, deve valer para todos — inclusive para os que desprezamos. E é aí que a democracia se testa de verdade.

Ditadura: o pacto da anistia e o silêncio imposto

A anistia mais marcante da história brasileira ocorreu no fim da ditadura militar. Em 1979, sob pressão política e social, foi aprovada uma lei de anistia que perdoou tanto os perseguidos políticos quanto os agentes do Estado que os torturaram, assassinaram e ocultaram seus corpos. Foi um pacto cínico, travestido de reconciliação, que impediu o país de fazer justiça com os crimes da ditadura.

Essa anistia foi ampla, geral e irrestrita. Protegeu torturadores, escondeu arquivos, silenciou vítimas. Não foi pacificação — foi esquecimento. Um esquecimento que custou caro. E que mostra o risco que corremos quando confundimos paz com impunidade.

Conclusão: Justiça para quem?

O debate sobre anistia, hoje, não pode ser desconectado da pergunta mais dura de todas: para quem é feita a Justiça brasileira? Quando a punição é seletiva, ela deixa de ser Justiça. Quando a anistia é política, ela deixa de ser reconciliação. Quando a pena vira espetáculo, perde a pedagogia e vira vingança.

É preciso punir os atos de 8 de janeiro. Mas é preciso punir de forma justa, proporcional e — acima de tudo — coerente. Não se trata de passar pano. Trata-se de lembrar que a democracia não se protege com injustiças seletivas. E que um país que perdoa corruptos, mas destrói a vida de fanáticos desinformados, está apenas criando o próximo ciclo de radicalização.

Pense nisso: Enquanto temos fome de sangue das marionetes do 8 de janeiro, os articuladores estão alimentando a arena com narrativas políticas e no final estão ganhando em cima desse jogo. 


Pedro Henrique Curvelo

Abril de 2025